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Saúde

Cardio no zoológico: quando caminhada vira treino – 27/10/2025 – Equilíbrio

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Cardio no zoológico: quando caminhada vira treino – 27/10/2025 – Equilíbrio


Quando uma usuária do aplicativo GymRats, que permite a criação de grupos de desafios competitivos, postou “cardio no zoológico”, se referindo à caminhada durante um passeio com o sobrinho, o grupo foi à loucura. Não demorou muito para a indignação dos participantes vir em formato irônico: “Muay Thai no zoológico”, marcou um deles após o treino. “Vinte minutos fugindo do leão” postou outro após correr na esteira.

“A zoação foi tanta que a moça saiu do grupo”, conta à publicitária Luisa Santos, 27, que acompanhou a discussão. Usuários do aplicativo ouvidos pela reportagem relatam que, não raro, coisas simples do cotidiano são publicadas com o intuito de pontuar.

São dois tipos de desafios mais comuns: por dias ativos —em que o dia vale um ponto— ou por quantidade de check-ins —neste, se a pessoa treinar quatro vezes ao dia, são quatro pontos. O resultado: qualquer caminhada até a padaria poderia ser usada para pontuar.

Segundo Páblius Braga, médico do esporte do Hospital Nove de Julho, atividade física é qualquer movimento que gere gasto de energia. Já exercício físico é uma atividade planejada, organizada, com gasto de energia que prevê uma sobrecarga, ou seja, algo diferente do que o corpo está acostumado a fazer.

Warlindo Neto, coordenador da Unidade de Internação do Hospital Alvorada Moema e especialista em Medicina Esportiva, explica que para que uma caminhada se configure um treino, o passo tem que estar mais firme, mais apertado, a ponto de você, enquanto caminha, precisar fazer uma pausa para manter uma conversa.

Já o passeio é mais difícil de transformar em treino porque habitualmente você vai estar parando, contemplando a área. Ou seja: aquele “cardio no zoológico” provavelmente não passa de uma tarde agradável com o sobrinho.

Mas a fronteira entre passeio e treino fica ainda mais nebulosa quando há prêmios em jogo. Stephanie Conde das Neves, 30, criadora de conteúdo de humor fitness, entrou num desafio corporativo de 30 dias no GymRats atraída pelo prêmio de R$ 1.500 para o primeiro lugar. Logo no primeiro dia, às 9h, já havia gente com cinco check-ins.

“A pessoa caminhou um pouco indo para a academia, fez um check-in, realizou o exercício, outro check-in, fez um pouquinho de cardio, mais um check-in, caminhada de volta para casa, último check-in”, conta. O caos foi tanto que a empresa precisou intervir e criar regras: apenas um registro por dia e pelo menos 40 minutos de atividade.

Mas as normas não resolveram o problema de fundo: o motivo que levava as pessoas a praticarem esportes não era a saúde, mas a performance. Stephanie acabou lesionando o ombro durante a competição: “Eu não tinha tempo, estava super corrida, mas falei: ‘não, eu preciso ir para a academia porque eu preciso fazer o check-in’”, lembra. “Eu exagerei nesse desafio”, admite.

E Stephanie não está sozinha nessa armadilha. A história se repete com Olivia*, 26, que começou a treinar depois da pandemia para melhorar a estética e o condicionamento. Entrou no GymRats em busca de motivação e disciplina. E conseguiu. “Depois de entrar nesses desafios estou mais disciplinada”, diz.

Mas o app que deveria ajudar também pressiona: “para não ‘perder’ tentava fazer qualquer coisa para conseguir pontuar”, confessa. “Teve semanas que fui sete dias seguidos porque queria alcançar um participante e isso não é saudável”, reconhece.

Esse comportamento não surpreende quem estuda o impacto da tecnologia no exercício físico. Matheus Vasconcelos, psicólogo do esporte e diretor da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (Abrapesp), explica que um dos maiores impactos da existência de redes sociais é em como as pessoas se enxergam.

Existem dois extremos, segundo ele: pessoas que conseguem fazer por autocuidado e as que começam a praticar por conta da pressão social. “Você pode ter um aumento do número de praticantes, mas associado a motivações que podem trazer riscos psicológicos para a saúde”.

“Quando não pratico atividade física por uma semana, sinto que já estou com o condicionamento ruim, mesmo sabendo que uma semana não faz tanta diferença assim”, diz Olivia. A pressão é constante. E a linha entre motivação e obsessão desaparece rápido quando cada movimento vira métrica, cada dia sem academia vira derrota.

E os riscos vão além do psicológico. Além dos danos emocionais, há consequências físicas concretas. Para Braga, o maior perigo é achar que qualquer movimento é suficiente. Ele explica que tarefas da rotina diária já foram absorvidas pelo corpo. Do ponto de vista energético, essas atividades “têm sim valor”, mas “não têm uma organização visando melhora de performance física”.

Neto alerta que ganhar massa muscular com as tarefas do dia a dia não é tão simples. Segundo ele, “vai ser importante ter períodos em que você faz especificamente atividade muscular resistida”. O médico recomenda que de duas a três vezes por semana a pessoa se concentre em exercício resistido.

O aplicativo GymRats foi lançado em março de 2019, nos Estados Unidos, e chegou ao Brasil no ano seguinte. Desde então, acumula mais de 500 mil downloads na Play Store e figura entre os mais populares da categoria Saúde e Fitness na App Store. E ele não é o único: plataformas como Strava, Fitbod e Nike Training Club também transformaram o treino em espaço de competição e reconhecimento público.



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